Ruth Guimarães | 3ª parte | Alexandre Marcos Lourenço Barbosa
O Lince – Teve que se virar muito cedo...
Ruth Guimarães – Eu tive que me virar muito cedo e não tinha muito apego assim a lugar nenhum não. Eu morava na casa do meu avô, aqui mesmo em Cachoeira Paulista, mas se fosse para ir fazer algum curso, alguma coisa em algum lugar, e o meu avô, não sei por que, ele tinha predileção por mim. Eu era a neta da predileção dele e, tudo o que eu queria fazer, ele permitia e eu quis estudar em São Paulo, ele deixou (risos)... Fui eu pra São Paulo (risos).
O Lince – Ainda bem que deixou!
Ruth Guimarães – Ainda bem que deixou. (risos)
O Lince–Pois bem! E a questão do demônio do subconsciente das pessoas. Como é que a senhora vê esta questão?
Ruth Guimarães – O problema estava no meu subconsciente. Eu morava numa fazenda... casarão... uma imensidade... tinha vinte e seis cômodos a casa. Um dos cômodos era um salão que dava para se fazer baile. Se faziam bailes lá na minha casa, e a minha mãe tomava conta lá da fazenda, morava lá meu pai também. Tinha quatro empregadas para poder gerir a fazenda. Tinha a cozinheira, a copeira, a arrumadeira,...
O Lince–E a faxineira?
Ruth Guimarães – Não, não, não era a faxineira. A faxineira vinha de fora. Não morava lá. E a outra era a lavadeira. A lavadeira se desdobrava em duas: era a lavadeira e a filha. Então, ia uma vez por semana, e uma vez por semana em casa se fazia uma espécie de mutirão para fazer doce. Então, se fazia doce em calda e doce em cacheta. E, nestes dias de descascar marmelo, descascar pêssego, figo... era dia de contar história. E o pessoal contava história de arrepiar.
O Lince–Na beira do tacho.
Ruth Guimarães – Não. Descascando fruta. Quando era a hora do tacho, não me deixavam ficar na cozinha, porque era uma mexeção de tacho. Tudo quente e gente correndo pra lá e pra cá... aquelas águas lá. Então, eles não me deixavam ficar. Porque também eu fui muito arteira, Nossa Senhora! “Dona Maria, tira a Ruth daqui que ela é muito arteira!” (risos) Eles não me deixavam ficar na cozinha. E com isto, eu me familiarizei com todo o folclore de horror, e o diabo era um personagem importantíssimo. Era o que aparecia em tudo. Eu sabia como é que a gente chamava o diabo, como é que entregava a alma pra ele, como é que tinha que rezar, como é que fazia invocação, as árvores que ele freqüentava – a figueira brava, a peroba. Então, isto foi ficando entranhado, isto foi se fazendo lá no meu inconsciente. Eu não acreditava em Deus, nem sabia o que era Deus, porque eu ainda não tinha tido nem catecismo e já sabia quem era o diabo. Então, eu tive um inconsciente moldado pelo demônio e eu tive que escrever um livro sobre o demônio para me ver livre dele. Só depois que eu escrevi este livro é que o diabo deixou de me incomodar, porque mesmo não acreditando, porque eu não acredito, mesmo agora, a religião não conseguiu repor o diabo no lugar... a minha religião... nem tenho religião nenhuma. Mas, o diabo ocupava um lugar muito grande e me dava ordens. Eu era apavorada... Entrar num lugar escuro assim... Se eu lembrasse que o diabo não gosta de escuro, não gosta de luz... então eu tinha aqueles pavores. Quase que foi um caso de internação.
O Lince–De psicanálise....
Ruth Guimarães – De psicanálise, não. De psiquiatria. (risos) É. Era apavorada. E então, como eu ainda tinha, mesmo na minha linguagem, de falar do diabo, contar a história do diabo, estava me incomodando. Aí eu escreviOs Filhos do Medo e me libertei. (risos)
O Lince–E economizou uma série de consultas (risos).
Ruth Guimarães – Isso. E ficou um bom livro, porque é muito sincero. É muito vivo. Meu Os Filhos do Medo é muito vivo porque eu vivi todas as coisas lá.
(Clique na imagem para ampliar)
O Lince – Como é que a senhora vê, hoje, essa relação das pessoas com a literatura, como é que a senhora vê, hoje, o brasileiro como leitor?
Ruth Guimarães –Eu não vejo o brasileiro como leitor (risos). Eu não conheço nenhum brasileiro leitor (risos). Eu leio livro à noite, mas não conheço ninguém que leia mais de dez livros por ano.
O Lince – Que indicações a senhora faria para quem quer realmente entrar em contato com a literatura de qualidade, com a boa literatura?
Ruth Guimarães –Que humildemente vá lendo estes livrinhos aí. Vamos ler o velho Machado, vamos ler o Mário de Andrade, vamos ler Lima Barreto, vamos ler Eça de Queiroz,...
O Lince – A senhora já falou aqui pra gente sobre a importância do trabalho. Eu acredito que essa seja talvez a grande receita para ser alguém bem-sucedido, faça o que fizer. Agora, além de muito trabalho o que a senhora sugeriria para aqueles que queiram, não digo se tornarem escritores, mas se aprimorarem no processo de escrever? Existe alguma dica que a senhora possa aproveitar da sua experiência pessoal?
Ruth Guimarães –A gente só aprende com os outros, né! Esta história de autodidatismo, isso aí é tudo balela porque, se a pessoa não sabe, como é que vai aprender consigo? Só pode aprender com quem sabe. Então procurar boas escolas. A boa escola. E trabalhar lá na escola com honestidade. Trabalhar sempre.
O Lince – A senhora também nos disse, quando chegamos, que já conhecia o Jornal O Lince. Agora uma questão muito pessoal, o que a senhora tem achado do jornal?
Ruth Guimarães – Ah, muito bem feito... muito bem feito. A gente vê que por trás d’O Lince está uma pessoa que pensa, que tem idéias. E a pessoa só tem idéias quando tem conhecimento. Antes de ter conhecimento, ter idéia como? É só uma repetência, né! A pessoa vive por procuração.
O Lince – Vou tomar isso como um elogio e estímulo!
Ruth Guimarães – E é. É. Gostei muito, aprovei muito, e estou acostumada a ver esses jornalecos por aí. Eu recebo muito jornal.
O Lince – E para concluir, Dona Ruth, gostaria que a senhora ficasse à vontade para fazer as suas considerações que, por ventura, o entrevistador, por ignorância, deixou de perguntar e a senhora gostaria de falar.
Ruth Guimarães – Perguntou bem. Eu falei sinceramente, falei à vontade. As perguntas foram perguntas que me deram ocasião de confessar (risos)... E isso também é um elogio.