quinta-feira, 22 de maio de 2014

Entrevista Ruth Guimarães | 2ª parte | Alexandre Marcos Lourenço Barbosa




  O Lince – E como é que nesse evoluir da escritora Ruth Guimarães, como é que a senhora, didaticamente, colocaria as fases pelas quais a senhora passou. Que temário, que temática que, de certa maneira, foi conduzindo a senhora ao longo dessa carreira de escritora... dessa vida de escritora? O início, como foi? Que preocupações conduziam a senhora?

  Ruth Guimarães – Eu tinha umas idéias a respeito da linguagem. Eu sempre gostei muito de discutir a linguagem dos autores. Então, eu via, por exemplo, Lima Barreto, um grande escritor, tem muitas idéias, ia fundo nos pensamentos dele, mas uma linguagem horrível... quer dizer, não era uma linguagem horrível não. Era uma linguagem muito boa, mas sem aquele aval do escritor que sabe escrever. Pegar Jorge Amado... Jorge Amado comove as pessoas, tem uma linguagem bonita... ele dá adjetivação... ele é um narrador muito bom... ele é um descritivo também muito bom, mas não sabe escrever. Então, ele prejudicou a perenidade dos livros dele. Daqui a cinqüenta anos, quem vai ler Jorge Amado? E assim: esta leviandade de fazer o que não sabe. E aí eu resolvi escrever sabendo o que eu estava fazendo, mesmo se não fosse o escritor aquela criatura de idéias, pelo menos a língua...

  O Lince – A forma...

  Ruth Guimarães – Isso mesmo, a forma. Por isso que eu entrei na USP, na seção de Letras Clássicas, para aprender latim, grego e português, três línguas mortas (risos).

  O Lince – Desta primeira preocupação com a linguagem, com a adequação com a forma...

  Ruth Guimarães – Então, eu queria escrever como se falava, mas não escrever como se falava à maneira do Guimarães Rosa. Briguei muito com o Guimarães Rosa, imagine que atrevimento! Mas eu dizia: “Guima, você não tem direito de cunhar palavras, de criar palavras, a palavra só existe se tiver um povo que fale, a palavra é povo. E você põe aí, por exemplo, o mato aeiouava. Muito bonita a palavra, muito engraçada também, mas não vale nada, quem vai falar essa palavra daqui pra frente? Só você. Nos seus livros, daqui a não sei quantos anos, esta palavra que está aqui não existe”.

  O Lince – Acaba gerando um hermetismo...

  Ruth Guimarães – É. E ele tem muitas assim desse tipo.

  O Lince – A senhora acha que isso tornaria, então, a obra anacrônica, dentro de sua própria época?

  Ruth Guimarães – Não, anacrônica não! Defunta. (risos) Palavra que não é de povo, é palavra morta. Esta história de ter uma língua universal. O inglês universal porque tem um monte de gente que fala. Usar o esperanto e aquele, o sânscrito. Ah! O que é isso? Não tem povo que fale, não existe O que existe é gente. Então, esse o meu sentido, a direção da minha escrita. E aí quando eu escrevi, eu quis escrever numa linguagem que ninguém tinha usado que era a linguagem valeparaibana. Qual é o escritor que escreveu o valeparaibano? Só eu. E eu tinha direito, primeiro, porque eu sou povo daqui, eu sou caipira, e, segundo porque eu tinha uma experiência grande da linguagem mais profunda, da linguagem que se usa pra rezar, por exemplo, da linguagem que se usa para amar, então, eu sou intérprete de uma língua que existe, que é o valeparaibano, e eu escrevi, em valeparaibano, e de Minas também, porque eu vim de uma fazenda de Minas. Não nasci lá, sou daqui de Cachoeira Paulista, mas eu vim de uma fazenda de Minas. Escutei aquelas conversas todas lá e pus no livro com a maior fidelidade possível, porque eu sou uma criatura, sou caipira, mas em cima do caipirismo, da caipirice, eu sou uma criatura estudada, trabalhada.

  O Lince – De todas as obras que a senhora escreveu, que a senhora produziu, existe alguma de sua predileção? Alguma obra que mais tenha gerado encantamento, orgulho de autoria?

  Ruth Guimarães – Olha, eu aprecio todas as minhas obras e aquelas que eu não aprecio, que eu não dou o meu aval, eu jogo fora. Já escrevi romance de duzentas páginas e joguei fora porque não me satisfez. E quando acabo de escrever um livro, não é meu mais, acabou, vai embora. Eu não tenho os meus livros. Agora é que os meus filhos estão colecionando. (risos)

  O Lince – O que a senhora tem de trabalho recente é a série Macunaíma para crianças, é isso?

  Ruth Guimarães – É a série Macunaíma para crianças. Tem um livro que estou escrevendo, faz tempo que estou escrevendo. Chama-se: Um tal de Zé. Um romance, mas um romance do comportamento do povo valeparaibano. Esse daí de vez em quando eu pego e escrevo e reescrevo. E também recente são as crônicas que estou escrevendo no Valeparaibano, toda quarta-feira escrevo uma, vou fazer uma coleção e publicar em livro.

  O Lince – E já gostaria de deixar o convite aqui para senhora. Seria uma honra, para nós, tê-la escrevendo n’O Lince. É uma vez por mês só, mas...(risos)

  Ruth Guimarães – Me dê os tamanhos, porque eu sou muito irregular nesta questão de medida. Uma vez escrevo demais, outra vez escrevo de menos. A minha imaginação não tem medida, não tem tamanho.

(Clique na imagem para ampliar)

  O Lince – E o jornal tem o tamanho de sua imaginação. O que achar que deve escrever, estaremos dispostos a publicar... E gostaria de fazer mais uma pergunta: agora, recentemente, a senhora, assumindo uma cadeira na Academia Paulista de Letras, poucos valeparaibanos tiveram essa honra de lá estar...

  Ruth Guimarães – ... Poucos e bons. Péricles Eugênio,....

  O Lince – Exatamente. Então, gostaria de saber qual é o sentimento, o que a senhora tem a dizer sobre esse reconhecimento de toda uma vida e de toda uma obra e desta possibilidade de estar representando o Vale do Paraíba na Academia Paulista de Letras?

  Ruth Guimarães – E estou um pouco Cinderela. Uma coisa que acontece uma vez na vida, né, e quando acontece, se acontece. Foi muito bom.

  O Lince – Como é o processo de escolha de um membro da Academia?

  Ruth Guimarães – Geralmente a proposta é feita por um dos confrades, um dos membros. Eu já tive convites antes, quando eu era bem moça, por um acadêmico chamado Fernando Góes. Bem mais tarde eu tive convite por outro que é o Paulo Bonfim, o poeta, mas eu não tava pra Academia não, sabe! Porque prestígio não me tenta muito, e eu tinha a impressão que não ia fazer grandes coisas lá na Academia. O que que eu ia fazer lá na Academia? E também o meu estilo de vida não dava pra Academias não. Eu tinha muito compromisso, eu tinha muita complicação na minha vida. Trabalhava em dois empregos pra sustentar os meus irmãos, que eram os meus filhos ao mesmo tempo, porque eu criei os irmãos menores com a morte do meu pai e minha mãe. E não dava mesmo! Não dava tempo, não tinha tempo, não tinha maneira de conciliar as coisas e freqüentar a Academia, nem pensar, nem pensar. Agora eu trabalho bastante também, mas estou aposentada, chefio um Departamento de Cultura do município de Cruzeiro, sou funcionária pública de carteirinha (risos) Trabalho muito, trabalho muito! E este lugar na Academia, eu consegui porque eu sou muito trabalhadeira. Eu tenho uma religião que é mais ou menos a religião de São Paulo, São Paulo, o santo, e não São Paulo, o estado. O São Paulo dizia assim: “Aquele que não trabalhaque não coma”. Lapidar. Eu também sou assim. Acho que aquele que não trabalha, que não coma. Se no Brasil se trabalhasse mais, se fizesse a religião do trabalho, estava em muito melhores condições.

  O Lince – Meu avô também tinha uma frase lapidar neste sentido. Ele dizia: “Quem não trabalha, não merece o prato que come”.

  Ruth Guimarães – É a mesma coisa. Exatamente. Então, eu sempre trabalhei muito e sempre procurei trabalhar certo. Então, se eu tenho algum merecimento, eu devo ao trabalho.
O Lince – Existe alguma influência Durkheimiana, positivista, nesta visão, nesta religião do trabalho?

  Ruth Guimarães – Não. A minha é a sabedoria popular (risos). A minha é a sabedoria do caipira.

  O Lince – E falando um pouco em sabedoria do caipira. E essa ligação da senhora com o folclore, esse desejo de escrever sobre essa sabedoria. Isso se traduziu numa série de obras. Que obras são essas e o que a senhora buscou nessas obras?

  Ruth Guimarães – Eu busquei o registro. Porque nós somos um país continental, com comportamentos diferenciados em cada uma das áreas e está tudo por fazer. Então, eu que estou aqui e que sei, e que sinto esta efervescência da cultura popular, achei que era meu dever fazer o registro e fazendo o registro eu faço o estudo. Estudei o folclore... também. (risos)

  O Lince – Falando ainda em Folclore, nós tivemos em Aparecida uma representante do folclore na região...

  Ruth Guimarães – ... a Conceição Borges...

  O Lince – ...não, a Maria de Lourdes, irmã dela, que foi da Comissão Nacional do Folclore. A senhora chegou a conhecê-la? Teve algum contato com ela?

  Ruth Guimarães – Elas são primas do meu marido. E eu fui colega do irmão delas... como é que ele se chama? Eu me esqueci o nome dele. Faz tanto tempo isso. Eu estudei em São Paulo, na Escola Normal Padre Anchieta, em 1935. Em 35, eu estava, em São Paulo, estudando. Então, eu andava...

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